É DOSE MORRER NO MAR
Tenho fobia de avião. Não diria medo porque me recuso a esse direito num mundo permeado de injustiça e corrupção É o medo é que nos faz deixar de enfrentar esses canalhas corruptos e torturadores e colocá-los atrás das grades para sempre. Realmente deve ser terrível para quem está dentro de um avião nos momentos que antecedem um desastre como esse que vitimou centenas de inocentes sem direito algum ao contraditório, a um julgamento justo, uma defesa, nada, morte sumária, súbita, impiedosa. Realmente, é dose morrer no mar desse jeito.
Mas tem uma coisa que para mim destoa nesse cenário, mais que a morte súbita de centenas de seres humanos preciosos engolidos pelo mar faminto, é o destaque que a mídia empresta a esse tipo de acidente, deixando de lado, na maioria das vezes, e sem destaque algum quando mencionado, um outro tipo de “acidente” ao meu ver muito mais grave e chocante que o do vôo AF 447.
Refiro-me às noticias de canto de página, quase microscópicas, do assassinato diário de jovens negros e negras (14 a 18 anos) na periferia da cidade. São quase dez assassinatos por dia, tendo como base de cálculo o que a mídia, na covardia de seus interesses inconfessáveis, permite noticiar, perfazendo um total de trezentos mortos ao mês, mais que um Air Bus 330-220. Cidadãs e cidadãos, um Air Bus mensal é executado só na cidade de Salvador. São mais de quatro mil mortos por ano, uma guerra mantida no anonimato quando deveria ser estampada diariamente em primeira página em letras garrafais.
A diferença, segundo pensam alguns, é que no caso do Boeing, os mortos são brancos, da elite, ricos, importantes, titulados, enquanto os assassinados nas periferias são negros, pobres, jovens, sem escolaridade, e muitos praticam ou praticaram pequenas ou grandes contravenções. Mas quem não as pratica nesses tempos de “caixa dois”, “agiotagem” (ou danieldantasagem?), “quebra de wall street”,” concordata da GM”, “venda da Vale”, “invasão latrocida do Iraque”, “malversação”, “nepotismo”, “abuso de poder”, “corrupção de todo tipo”, etc, etc?
Ainda mais porque os jovens negros da periferia são como qualquer outro jovem do planeta, aspiram às mesmas coisas, tem os mesmos desejos e sonhos que qualquer um outro. E, no entanto desde o ventre materno tudo lhes é negado, a não ser a violência em altas doses. Falta-lhe comida, roupas, sapatos, escola, livros, comida, hospitais, remédios, esporte, lazer, arte, cultura, tudo o que é regiamente oferecido aos meninos brancos filhos das elites ricas e empoderadas.
Nem o governo nem a sociedade se importam com essa diferença extremada. Pouco estão se lixando para o destino desses jovens excluídos. O governo (não) faz a sua parte, não oferecendo escolas de qualidade, nem assistência médico-hospitalar adequada, nenhuma perspectiva além da de morrer sob os calibres dos grupos de extermínio. Mas tem outra coisa que me deixa embasbacado. A insistente tolerância do povo brasileiro para com esse estado de coisas que perdura há muito tempo.
Tempo demais. O povo negro e o indígena sempre estiveram na frente da história de lutas do povo brasileiro. Das lutas abolicionistas às insurreições pela independência, o negro e o índio sempre foram incansáveis. Por que agora assistem pacificamente o aniquilamento puro e simples de seus filhos e filhas? Por que o horror a que ainda se encontra submetida a maioria negra no país não encontra por parte dessa mesma maioria uma atitude mais firme, quiçá beligerante?
Dizem que muito está sendo feito, mas se assim o for não está sendo suficiente quase inoperante e completamente invisível. As reparações ainda são tímidas, o negro não freqüenta as esferas do poder, e mesmo no mercado de trabalho sua presença ainda é inferiorizada, notadamente a da mulher negra. O Estatuto da Igualdade Racial está sendo literalmente detonado pela elite branca e sua mídia racista, as leis 10.639/3 e 111.635/8 não estão sendo postas em prática Em vista disso também alguns poucos mestres e doutores continuam sendo vitimados pela política dominante do racismo.
Apesar de titulados são perseguidos e humilhados da mesma forma que os “sem título”. A marca da pela negra ainda pesa inexorável sobre a vida das pessoas negras (e índias) em nosso país. Essa tragédia diária precisa ser estampada na mídia. Sob pena desta poder vir a ser empastelada, quer dizer, ser engasgada pelos seus próprios pastéis de preconceito, racismo, usura e mau caratismo.
Geraldo Maia
Poeta
¡Tienes que ser miembro de SOCIEDAD VENEZOLANA DE ARTE INTERNACIONAL para agregar comentarios!
Únete a SOCIEDAD VENEZOLANA DE ARTE INTERNACIONAL